Uma Mulher
Pra mim, fazer um aborto foi um ato de responsabilidade
2019 Brazil
Quando o pacote chegou, eu contei pra menina que morava comigo o que estava acontecendo, a passamos a planejar juntas como seria. Cheguei a chorar neste dia. Chegando o dia, o cara que eu ficava e que era o progenitor veio me ajudar, trouxe lençol, cobertor e cozinhou algo leve. Eu tinha feito umas compras (alimentação adequada, água de côco). Preparei meu quarto e acendi uma vela. Estava apreensiva. Por volta das 17h da tarde de um sábado, eu tomei a primeira dose (4 pílulas sublingual). Eu estava tranquila pois mais cedo a minha colega de casa havia feito um exercício de respiração comigo, me aplicou reike, e nos deixou em contato com uma ONG argentina (La Revuelta Colectiva Feminina) que esteve online conosco todo o tempo (muchas gracias, hermanas!). A presença do cara e o afeto dele também me deixou mais segura. Tomei as pílulas e deitei. Esperei derreter tudo (por uma meia hora) e engoli. Coloquei um filme e fiquei assistindo com o cara, até que peguei no sono. Me sentia fraca. Por volta das 20h, acordei com muita cólica... minha barriga queimada, minhas pernas doíam, a cabeça estava zonza. Fiquei me contorcendo na cama e esperando algo acontecer. Me sentia febril. Até que, umas pontadas, dor de barriga... Corri para o banheiro. Tive diarréia e vômito, ao mesmo tempo. Horrível. Fui para o chuveiro. Fiquei de cócoras fazendo força. Voltei para a cama, e um tempo depois (não lembro se 5h após a primeira dose, mas segui instruções das argentinas), tomei a segunda dose (3 pílulas sublingual). Tive muito medo nessa hora... Medo de não dar certo. Do aborto não ocorrer e eu não ter mais grana, de ser um aborto mal feito, de passar muito mal a partir daí, de morrer. Depois da segunda dose eu vomitei mais, fiquei de cócoras forçando a pélvis, dormi, acordei com cólica leve, dormi de novo. Comecei a sangrar. Coloquei um absorvente e adormeci. No outro dia, com fluxo muito intenso, vi no absorvente um coágulo enorme, meio transparente, comprido, como se fosse uma bexiga murcha. Fiquei na dúvida mas achei ser o feto. Esperei os próximos dias pra ver se notava mais coisas. Como isso foi a coisa maior que saiu, entendi que era o material expelido, e, como ja tinha o guardado, enterramos no quintal, eu e a minha colega de casa, na terça de manhã. Sangrei por mais de 01 mês, e fui recuperando minhas forças aos poucos. Chorei algumas vezes. Me fiz forte. Acessei histórias de outras mulheres. Há alguns dias fez 3 meses que eu abortei.
Vale dizer que, essa já era a terceira experiência do cara que me engravidou. TRÊS abortos! Eu, que passei por isso, não quero passar nunca mais! Mas e esse cara aí, quantas vezes mais ele vai engravidar uma mina (por culpa dos dois, mas enfim)... ? As vezes eu gosto de me imaginar bancando essa história e indo até o fim, mas sei que seria muita loucura. Sigo com meu tratamento psicológico, mudei de cidade e arrumei outro emprego. Voltei a morar com a minha mae, que ficou sabendo, mas não tocamos no assunto, pois na epoca ela me fez muito assédio, dizendo "não rejeite seu filho, ele sente. Me dá que eu crio"... esses absurdos doeram muito em mim. Mas no geral nossa relação está tranquila. Fiquei outras vezes com essa cara, e numa delas ele me esclareceu melhor que NAMORA, serinho, fechado, mas pra mim não é tão facil me desvincular dele. Descobri que ele está junto com a mulher há mais de 3 anos. Ele me diz um monte de coisa sobre ser apaixonado por mim, etc, mas nunca banca história nenhuma comigo. Essa semana mesmo, disse que queria passar o aniversario dele comigo, e eu estando na cidade perguntei se nos veríamos, ao que ele lamentou: minha namorada está chegando (e um emoticon triste). Relacionamento tóxico, total. Não teria como ter um filho mesmo com um cara que trai, mente, e ilude. Eu, por desespero, antes de abortar, contei pra minha vó que estava grávida e que iria fazer um aborto. Ela acabou contando pra minha mãe (mesmo eu pedindo segredo), que contou pro meu irmão... ficaram sabendo, meu pai, tios, e vai saber mais quem. Recebi muitas ligações e mensagens, fui assediada pelos familiares, que diziam que um filho eram bem vindo mas não perguntaram nem uma vez como eu me sentia. Me sinto exausta até hoje com essa história. De fato um aborto, nunca é banal. Um dia antes de realizar o procedimento, tomei um banho de mar e conversei com o ser que habitou em mim: "Agradeço por isso, sou grata. Mas não posso te receber neste mundo agora, preciso ser responsável dessa vez, já que não fui antes. Eu tenho certeza que você me compreende."
Did the illegality of your abortion affect your feelings?
No Brasil, o aborto é ilegal e a mulher pode ser presa. Tinha muito medo de acontecer algo assim comigo, pois é uma grande injustiça para qualquer mulher. Eu encomendei pílulas de Cytotec pelo whatsapp, baseando-me em uma tabela que a vendedora me enviou. Ela me colocou num grupo de whatsapp (grupo de clientes), e era incível como todos os dias chegavam muitas mulheres, cada uma com uma história. Certo dia, questionei no grupo qual seria a fonte da tabela que relacionava o número de pílulas com idade gestacional, e o quanto é perigoso e inseguro se automedicar com base em experiências de outros organismos, sem amparo médico, científico, sem acompanhamento psicológico e social. Fui esculachada. As meninas falaram que eu estava reclamando de receber uma ajuda, que estava agindo com ingratidão, etc, etc. Saí do grupo com um profundo pesar. E daí percebi que, não é porque uma mulher faz um aborto que ela tem consciência política daquilo. Foi frustrante. Pedi 7 cytotecs (100 reais cada) para o meu endereço, mas como nome fictício. O medo de dar algum problema com a remessa era enorme. Chegou, abri o pacote, e a sensação era de alívio e de dor. Antes disso, conheci o site Women On Web e vi que havia a possibilidade de receber o medicamento pelo correiro por um preço muito mais em conta e recebendo instruções muito mais precisas e amparadas por um conhecimento bem embasado, pois a ONG é ativista em prol dos direitos reprodutivos das mulheres e conta com uma rede de profissionais qualificados. Porém, me notificaram por e-mail que o Governo Brasileiro estava interceptando as remessas... (malditos!) e aí ficaria impossível enviá-las. Recebi um monte de intruções de alternativas para comprar via outros países e etc, muito bom mesmo o apoio e as informações que recebi. Passei a ficar muito mais tranquila. Me correspondia com a ONG por e-mail e todas as minhas dúvidas eram prontamente respondidas, ainda que eu tivesse decidido comprar no mercado ilegal brasileiro, mesmo.
How did other people react to your abortion?
Tenho quase 28 anos completos e moro longe da minha família desde os 20. Fiz faculdade no interior do Estado do Rio de Janeiro (Brasil) e desde que a oportunidade de sair de casa apareceu, tenho levado a sério meus propósitos de conquistar autonomia e evoluir como pessoa em diversos sentidos. Porém, sempre fui uma pessoa com sentimentos confusos e recentemente comecei a enfrentar problemas com a minha saúde mental. Procurei tratamento adequado, e muitas questões foram revisitadas, dentre elas as motivações de eu ser insegura, procrastinadora e um pouco inconsequente com certas coisas. Em 2017 eu "casei", fui morar com um namorado, e separamos no início de 2019. Alguns poucos meses depois, conheci um cara em uma festa, amigo de um conhecido. Ficamos de bobeira uma primeira vez, e acabamos nos vendo sempre a partir daí. Eu lembro que, numa noite, a gente se encontrou muito rápido, numa situação que foi uma surpresa pra mim, demos um beijo e eu fui embora. No caminho, eu sentia uma energia muito forte que tinha ficado comigo a partir daquele contato, e, aquilo era tão intenso, que por algum motivo fui tomada por lágrimas e uma sensação estranha de rompímento e ligamento, ao mesmo tempo. Acabou que por várias vezes em nossos encontros a gente transava sem camisinha, e eu não tomava nenhum tipo de precaução há anos. Nunca tinha dado merda com meu ex namorado, nem com ninguém com quem eu tivesse transado sem camisinha por um tempo. Na primeira vez que eu fiquei com esse cara, ele disse algo como: "vamos fazer um filho?". Eu ri e tomei como uma frase galanteadora, mas não imaginava que dois meses depois estaria grávida. Ao suspeitar disso, um pouco antes da menstruação atrasar, eu, que me sentia completamente envolvida por uma paixão, disse ao rapaz que me sentia apaixonada, etc.. Ao que ele me contou, pela primeira vez, que estava em um relacionamento. Eu fiquei meio chocada e talvez tivesse me auto confortado com um "eu gosto de você também", que não perguntei nada...ainda mais depois de saber que a moça morava em outra cidade, e pra mim aquele relacionamento era algo como não-monogâmico, nada muito sério. Durante o processo de aflição e ansiedade pela desconfiança da gravidez, compartilhei com o cara a suspeita, e, tive a impressão de estarmos mais próximos e conectados. Quem sugeriu pela primeira vez que a gente abortaria foi ele. Eu botei fé mas no fundo não fazia ideia do que eu queria que acontecesse. Eu não sei se eu tô maluca mas cheguei a sentir que a gente deu uma balança em um certo momento. Foram muitas semanas pensando muito no assunto, tomando chás abortivos, oscilando entre querer que o atraso da menstruação fosse mesmo uma gravidez ou só uma doença. Na ocasião, eu trabalhava como babá, recebia menos que um salário mínimo. A grana era muito apertada e dava praticamente só para as contas. A ideia de ter um filho, ao mesmo tempo que brilhava meus olhos, pois fazia um tempo que eu tinha esse desejo involuntariamente, também me aterrorizava, pois eu cuidava de uma criança de 03 anos que tudo que pedia era amor e proteção, e, olhando ao redor, eu via um mundo feio e difícil que em nada combinava com esses seres de luz e infinita capacidade de amar e desenvolver habilidades. O cara, o progenitor, também tinha uma visão semelhante à minha, mas se rendia muito menos que eu às imposições sociais de sobrevivência. Desempregado há um tempo, eu não sabia exatamente o que ele fazia, mas me parecia algo ilegal. E tinha esse tal relacionamento, que julguei ser um dos fatores pelo qual ele não queria uma criança, pois obviamente atrapalharia o esquema dele com a mina. Falando com uma amiga de São Paulo, abri pra ela a situação, e ela me contou que havia feito um aborto há 01 ano com pílulas (cytotec) e que poderia me passar o contato. Meu coração acelerou, pois eu sabia que era hora de tomar uma decisão. Entrei em contato com essa pessoa anônima, que me passou os preços e a forma de pagamento. Pesquisei um milhão de coisas relativas à aborto em sites aleatórios e cada vez mais ia ficando mais ansiosa. Em junho, resolvi fazer o teste de farmácia. Estava sozinha em casa e minha perna tremia. À essa altura meus peitos estavam enormes e eu começava a sentir enjoos. O teste deu positivo. Tirei uma foto e mandei pro cara. Nessa noite dormi com a mão na minha barriga, e pensava muito na imagem de uma criança, que poderia vir a ser meu filho ou minha filha. Óbvio que eu não tinha condição alguma de ser mãe. Tava terminando a faculdade (que cursei com muito sacrifício), não tinha dinheiro, estava com a saúde mental extremamente frágil, e tinha certeza de que seria mãe solo. Não era nem um pouco o que eu planejei pra minha vida. Eu sentia que eu e o cara estávamos apaixonados, entretanto.. só que aquilo não era garantia de nada, não me sustentava nem um pouco. Era só um detalhe que não importava, mas acho que isso me deixava confusa quanto ao meu desejo de ter uma criança. Liguei pra minha irmã, que morava em Portugal, e ela disse que poderia me mandar um dinheiro e me apoiou 100% caso eu quisesse mesmo abortar (na verdade, na opinião dela, essa era a melhor opção). Na mesma semana, contei que estava grávida pra mãe do bebezinho que eu cuidava, que era também minha amiga há muitos anos. Eu falei que queria abortar e ela também me ofereceu uma grana. Uma outra amiga (bem espiritualista) estava presente e se ofendeu com a forma como ela ofereceu o dinheiro, pois, pra ela, foi indelicado não perguntar se eu tinha certeza ou coisa do tipo. Confesso que nessa hora tive desconfianças de que a moça pra quem eu trabalhava estivesse apenas ela mesma também tentando se livrar do problema, pois nossa relação em relação ao filho dela era de muita confiança, e eu por outro lado não tinha direitos nem carteira assinada... o que tornava tudo muito complicado. Enfim, com a grana na mão, e sem opções... muito medo e desespero... fui atrás de resolver. Meus enjôos tinham piorado muito e eu não conseguia comer quase nada. Fiz o exame de sangue pra calcular o período gestacional e encomendar a quantidade certa de pílulas. Descobri que estava de 8 semanas, algo como em torno de dois meses. A sensação na clínica foi horrível, paguei baratinho pelo exame, mas o olhar complacente da enfermeira e a dificuldade em fingir que eu estava feliz por estar gestante quase me mataram por dentro.