Maria Victoria
A gravidez é também a morte da pessoa que você foi até aquele momento, para nascer uma nova pessoa, a mãe, com novos objetivos e novas preocupações. Nem toda mulher está pronta pra isso, e não tem nada de errado nisso.
2017 Brasil
Descobri que estava grávida dia 29 de dezembro, a dois dias do ano novo. Já estava a dois meses sem menstruar, mas estava trabalhando muito e sofrendo muito estresse no trabalho, como se estivesse com uma TPM eterna que me deixava sempre de mal humor, depressiva e cansada (que provavelmente era causado pelos hormônios da gravidez), e imaginei fielmente que fosse um problema hormonal apenas. Meu relacionamento com meu namorado também não estava dos melhores, raramente tínhamos relações sexuais, e como percebi um atraso no primeiro mês, imaginei que fosse pela troca de método anticoncepcional, e pensei que parando de usar meu anticoncepcional novo viria a menstruação normalmente (NOTA: Havia parado de tomar anticoncepcionais em pílulas para usar o anel vaginal chamado Nuvaring, porque tenho risco de ter trombose). Assim que atrasou o primeiro mês eu fiz um teste de farmácia, que deu negativo, então segui a vida sem me preocupar com esse risco. No dia 28 de dezembro, fui na ginecologista, e contei que estava a dois meses sem menstruar e que meu corpo havia mudado um pouco, mas acreditava que era porque estava comendo demais e estava sob estresse no trabalho no fim do ano. Ela me analisou, analisou minhas mamas e meu útero com as mãos, e disse que eu não apresentava sinais de gravidez, mas que de qualquer forma me pediria um teste de gravidez através do sangue, que chegaria no meu e-mail dia seguinte. Ufa, eu pensei. Fui pra casa tranquilamente, e segui a vida sem problemas. Dia seguinte, já estava pronta para sair quando meu namorado me lembrou de checar meu e-mail. Abri sem medo por já "saber" que não estava grávida e li: Beta Hcg -Positivo. Na hora eu fiquei em pânico, sentei no chão e apenas falava: Não pode ser verdade. A negação foi tanta que imaginei se não era "Positivo, você não está grávida". Liguei no médico e caí na real. Estava Grávida. com 24 anos. Meu mundo caiu e imediatamente uma melancolia enorme me invadiu. Me senti imensamente sozinha, porque só eu tinha aquilo dentro de mim, ninguém partilhava dessa dor comigo. Olhava ao meu redor e pensava "como eu queria ser qualquer pessoa, menos eu nesse momento". Queria sair daquele corpo que estava mudando enquanto eu não estava pronta. Tudo estava confuso, e eu pensei em como seria difícil encarar aquilo tudo de frente. Esse dia eu não tive reação, a ficha caiu dia seguinte mas desde o começo eu só pensava em não ter mas ao mesmo tempo em não ferir o que estava dentro de mim. Bebi muita bebida alcoolica, na esperança de não ser verdade, e não conseguia ver um futuro daquele bebê dentro de mim. Passou o reveillon, e dia 4 decidi com meu namorado que não era a hora. Ele foi buscar o Cytotec em outra cidade, enquanto eu fiquei de luto, já me despedindo da minha pequena barriga e rezando para que aquilo não se transformasse em um arrependimento no futuro. Chegou o momento, eu fiquei horas pensando se tomaria ou não, li alguns relatos aqui, e meia-noite decidi que ia tomar. Não pensei muito na hora de tomar, fiz tudo logo e tentei em vão me distrair com a TV. Foram 3 comprimidos, coloquei 2 inteiros embaixo da gengiva e deixei se dissolverem, e 1 na vagina. Passou meia hora e começaram os calafrios. Apesar de ser um dia quente de verão, senti muito frio, fiquei cheia de cobertor tremendo muito no sofá. Meu namorado colocou uma toalha quente na minha testa, que amenizou um pouco. Após certa de 20 minutos, os calafrios pararam, e eu fiquei normal, como se nada tivesse acontecido. Vi um pouco mais de TV e resolvi ir dormir. Por algumas horas, nada aconteceu. Até que começaram as cólicas, as 3 AM. Sentia uma dor suportável de cólica, e tive muita diarréia, fui no banheiro várias vezes na madrugada. A dor aos poucos foi aumentando. Eu levantava, ia até o sofá da sala, e ficava deitada lá com a barriga na parte fria, parecia que ajudava de certa forma. Chegaram as 6 AM. Foi o ápice da dor, quando parecia insuportável, e foi a hora que eu percebi que algo estava estranho. Não conseguia nem chorar, apenas agonizar de dor e receio do que estava pra acontecer. Derrepente, percebi que saiu um líquido e pensei que estava fazendo xixi sem sentir, mas quando parei pra pensar percebi que era a minha bolsa que havia estourado. Logo em seguida desse líquido, começaram a cair gotas de sangue, e eu acordei meu namorado dizendo que tinha chegado a hora. Eu fiquei sentada na privada, jorrando sangue e com uma cólica extremamente forte, como nunca havia sentido antes. O momento do aborto foi o ápice da dor, e quando eu tentei me levantar da privada, meu namorado me olhou com cara de pânico e pediu pra eu me sentar. Eu estava com um coágulo vermelho do tamanho de uma caixa de fio dental, que deveria ser onde estava o feto, pendurado em mim. Fiz muita força com muita dor e depois de uns 5 minutos eu ouvi ele caindo e levantei. Meu namorado quis me poupar de ver, mas eu sabia que eu precisava ver para começar a encarar o luto de tudo que havia acontecido. Foi muito triste, não dava para ver um feto formado, só o coagulo de sangue mesmo, mas senti que algo especial em mim havia ido embora. Após isso, fui tomar banho, consegui dormir as 8 am e acordei as 11 para ir no hospital. Lá, falei que havia tido um sangramento e estava grávida de 12 semanas. Ninguém me questionou nem nada, só foi recomendado que eu fizesse uma curetragem quando voltasse de viagem (ia para a América do Sul no dia seguinte), e pediram para eu não ter relações sexuais por cerca de 15 dias pois poderia dar infecção. Fora isso, disseram que poderia seguir a vida normalmente sem nenhuma restrição. Fizeram um exame com o que recolheram dentro de mim e o resultado foi o fenômeno Arias-Stella, que é atribuído aos hormônios da gravidez que restam após o aborto.
Não estava pronta, meu namorado também não queria ser pai, queriamos nos firmar finaceiramente para poder ter uma vida confortável, e sou recém formada na faculdade e sonho em fazer pós graduação no exterior. Uma criança tornaria todas as minhas projeções impossíveis, e o medo de ela não ser feliz pela minha falta de maturidade como mãe também me assombrava.
A ilegalidade de seu aborto afetou seus sentimentos?
Afetou muito, porque é um momento delicado, e eu senti que no primeiro momento não podia expressar o que estava sentindo ou contar da gravidez e da decisão de abortar para ninguém, por ter ilegal e ser tabu.
Como as outras pessoas reagiram ao seu aborto?
Minha mãe ficou aberta a qualquer decisão, e apoiou se eu achei que não estava pronta. Pessoas próximas disseram que eu deveria ter a criança, mas que entenderiam se minha decisão fosse abortar.
Julieta Iovaldi Curutchet
Decidí desde el principio no compartir esa experiencia con la pareja de ese…