Clarinha
Estava confusa e sem saber como lidar com a situação, sabia que não queria ter um filho, não naquele momento e circunstâncias.
2019 Brasil
É um misto de sentimentos, as vezes penso "e se", mas sei que foi a melhor decisão, me sinto aliviada, feliz, como se houvesse saído um penso das minhas costas.
Quero começar minha história a partir do momento que conheci o meu "parceiro". Em junho de 2019 conheci um garoto que aqui chamarei de "Otávio". Nosso primeiro encontro não foi marcado, ele simplesmente estava na rua e perguntou se podia passar em minha casa, eu disse que sim e ele veio. No começo tentei me esquivar o tempo todo dele, pois além de toda minha família está em casa, eu mal o conhecia e ficava com um colega dele, mas a carne é fraca e na conversa vai, conversa vem quando eu percebi já estávamos ficando e ele já percorria a mão por todo meu corpo, dentro e fora da roupa, por mais que eu quisesse aquilo, eu tentava resistir, uma garota de 17 anos, que toda família achava super inocente e que inocentemente recebeu a visita de um amigo em uma noite estava transando com ele na sala de estar de sua casa, onde sua mãe sentava pra conversar e ainda por cima sem camisinha (não, eu não era virgem mas tinha receio de contar para minha mãe), depois da rapidinha eu entrei em desespero e comecei a chorar me achando a maior puta do mundo e "Otávio" foi super fofo comigo, a partir de então começamos a nos relacionar frequentemente, eu sempre filava aula junto com ele, que estudava no mesmo colégio que eu, para ir a sua casa, isso aconteceu praticamente todas as semanas durante mais de 4 meses, além dos finais de semana e feriados. Em novembro, eu reparei que minha menstruação estava atrasada haviam dois dias quando nos relacionamos em dado dia, mas para mim estava normal, costumava atrasar até trés dias, mais aí atrasou 3, 4, 5 e quando deu 7 dias de atraso pensei: têm alguma coisa errada. Sabia que ia me ferrar demais se estivesse grávida e desde o momento que a dúvida surgiu, eu sabia que iria querer abortar, então no sétimo dia de atraso, numa sexta feira, liguei para minha amiga "Claudia" e pedi para que ela comprasse um teste e trouxesse em minha casa, que lhe daria o dinheiro, e assim ela fez, chegou meia hora depois com o teste em mão, mas não podia ficar pois precisava ir para casa, fiz o teste escondida no banheiro e para minha surpresa, em menos de 10 segundos apareceram duas listas, eu nem acreditei, comecei a chorar e me bater, encher minha barriga de murro, eu não podia acreditar. Eu, uma garota de 17 anos, a exemplar da escola, queridinha da família estava grávida. Assim que fiz o teste sair do banheiro e liguei para minha amiga que viu meu desespero e veio dormir comigo, minha mãe desconfiou da visita repentina e das desculpas, mas como ama muito minha amiga deixou ela dormir comigo, no dia seguinte, num sábado minha amiga foi comigo fazer o teste de sangue e aproveitei para usar o celular dela e ligar para "Otávio", que naquele horário estava no trabalho, dei a notícia de cara pra ele e o coitado mal conseguiu falar, disse que não podia ficar no telefone pois estava no trabalho e que me retornaria quando chegasse em casa para conversarmos com calma, e assim aconteceu, expliquei para ele que tinha feito o teste de farmácia e depois o beta e que o resultado sairia na segunda, ele me pedia pra ficar calma, que íamos resolver aquilo mas eu estava desesperada demais, a essa altura eu já tinha o número de um vendedor de Cytotec, "Otávio" me perguntou o que eu queria fazer e eu disse que queria abortar, que aquele não era o melhor momento para um filho e ele concordou, também não queria um filho naquele momento, entrei em contato com uma garota que tinha comprado e utilizado o remédio desse vendedor que encontrei o número e a garota disse que deu certo, comecei a pesquisar milhares de relatos que me davam força e medo. Na semana seguinte era meu aniversário, eu estava com mais ou menos quatro semanas e começava a entender o porque de estar dormindo tanto e me cansando com qualquer coisa e isso me deixava abatida, minha prima/amiga me obrigou a não deixar meus 18 anos passar em limpo e junto com mais 3 amigas, incluindo "Claudia", todas sabiam da gravidez, fomos em um barzinho, e aí começou meu maior inferno, os vômitos, o primeiro foi na quinta, na sexta mal consegui ir para o estágio, sábado e domingo foram horríveis, não conseguia nem beber água, segunda fui trabalhar e precisei voltar para casa cedo, faltei o resto da semana e levei o maior esporro da minha chefe, eu já estava de 5 semanas e sem o dinheiro completo para o remédio, na minha mão tinha apenas 90 reais, cada comprimido era 60,00 e o vendedor me disse que eu precisava de 4, "Otávio" estava na luta para conseguir os 150, ele conseguiu um trampo aleatório em um depósito e tinha que ficar viajando, o dinheiro seria entregue quando ele completasse 15 dias de serviço, eu estava totalmente desesperada e roubei os 150 que faltavam da conta da minha vó (Otávio me entregou este dinheiro quando recebeu e eu pus de volta na conta), minha mãe vendo eu vomitando tudo que comia me obrigou a ir no médico e descobriu da pior forma que eu estava grávida, a primeira reação dela foi horrível, praticamente parou de falar comigo, no dia seguinte fui na rua passando mal e comprei o remédio, era uma sexta feira, fiquei com receio de tomar, "Otávio" estava sempre comigo, conversando, perguntando se eu estava bem e se eu já tinha tomado, mas me faltava coragem. Passou-se sábado e domingo e na segunda eu precisava voltar no trabalho, já tinha faltado uma semana e o médico me deu atestado apenas para a quinta e para sexta. Minha chefe me perguntou o que eu tinha e de forma bem esperta descobriu junto com uma colega de trabalho que eu estava grávida, as duas me incentivaram a seguir com a gravidez, o que só aumentou meu medo e me deixou pensativa, elas falaram para eu não abortar e eu cogitei não fazer o aborto, mas o fato era que minha chefe era rica e minha colega era filha do chefe, realidades diferentes demais, mas elas sabiam que eu pensava e estavam me julgando pelas costas, pedi para que não falassem da minha gravidez para ninguém e pedi meus 15 dias de férias pois estava só o pó e não parava de vomitar. Terça e quarta foram um massacre, por um lado eu estava decidida, por outro totalmente perdida, minha mãe já havia voltado a falar comigo e lhe contei que havia comprado os remédios e iria tomar, ela me apoiou, sabia que eu tinha uma vida pela frente e que eu não gostava muito de crianças, tomei o remédio na quinta, dia 12/12/2019, pela manhã, os quatro foram postos em baixo da língua e deixados para dissolver, vomitei um pouco durante o processo mas "graças a Deus" isso não interferiu na funcionalidade do remédio, não senti nenhuma dor como relatado na maioria dos relatos que li, fiquei deitada quieta e minha mãe sempre ia no quarto me olhar, comecei a sentir dor de barriga, mas segurei, segurei o máximo que eu pude, com medo, mas teve um momento que eu não aguentei e tive que ir no banheiro, diarreia das brabas e um pouco de sangue, fiquei feliz, claro, estava dando certo, minhas amigas pediam para eu mandar notícia mas queria passar aquele momento sozinha, apenas na vigilância de minha mãe, 14hrs novamente senti uma vontade enorme de ir ao banheiro, dessa vez foi diarreia e muito, mais muito sangue, desceu de uma só junto com vários pesados de coisas, que não eram tão grandes como a dos relatos lidos, vale lembrar que quando eu tomei o remédio estava com 6-7 semanas, continuei sangrando muito nesse dia, e os enjoos passaram, tudo que a gravidez me trouxe havia passado, nesse dia consegui até almoçar, depois de quase 3 semanas sem comer nada praticamente, decidi deitar na cama de minha mãe que era de casal e senti um líquido descer, um líquido transparente, sair correndo para o banheiro e enfim senti muita coisa grande descer e um ploc na água, minha mãe estava comigo e foi ela quem deu descarga, disse que viu o feto, pequenino, de certa forma isso partiu meu coração, mas fiz a decisão certa, tomei um banho e minha mãe resolveu colocar uma frauda pois nessa altura eu já sangrava muito. Estava tudo certo até aí, mas pela noite comecei a desmaiar, não sei se foi o remédio ou a fraqueza ocasionada pela minha falta de alimentação e vomito em excesso, minha mãe precisou arrombar a porta do meu quarto para poder entrar e me pegar desmaiada (a porta é de correr e foi trocada faz pouco tempo, a tomada fica atrás e pra utilizar preciso fechar a porta, meu celular estava carregado), ela me socorreu junto com minha tia e me levaram para o quarto dela, me deram soro e minha mãe ficou desesperada achando que o desmaio tinha a ver com o remédio, pedi para tomar um banho, elas iriam me levar no médico, enquanto ligavam para meu irmão vir me buscar, mas quando levantei desmaiei de novo e o desespero de minha mãe foi tanto que ela contou para minha irmã e duas tias sobre o aborto, que ao contrário do que eu imaginava me ajudaram ao invés de julgar, uma das minhas tias inclusive já abortou, meu irmão mal atendia o celular e a mãe de "Claudia" que veio ao meu socorro, quando sair de casa desmaiei no meio da rua e alguns colegas que são meus vizinhos ajudaram minha mãe, no hospital escondemos que eu fiz um aborto, sabíamos os remédios que eu podia e não podia tomar e como minha mãe estava muito nervosa minha amiga que fez minha ficha e colocou que eu tinha alergia ao Buscopan que ela leu que não era muito bom tomar, na sala de atendimento quando foram me colocar no soro e inserir as medicações eu acabei desmaiando de novo e minha mãe ficou desesperada achando que eu ia morrer e passou mal, a essa altura meu irmão ja tinha chegado, e ficou como meu acompanhante, minha mãe ficou na sala de espera e minha amiga e sua mãe foram embora. Quando saí do hospital já era madrugada de sexta e eu me sentia um pouco melhor, me alimentei quando acordei, desmaiei meio dia e continuei me alimentando. Os exames feitos no hospital não detectaram o remédio e mostraram que eu já estava começando a ficar desnutrida, desidratada, com o açúcar super baixo e uma pequena inflamação no intestino. Ou seja, 3 semanas desmaiando me fizeram virar uma caveira e eu precisa recuperar minhas energias, e é isso que estou fazendo. Na segunda, dia 16/12, estava me sentindo melhor e inventei de ir na rua, desmaiei no trabalho de minha prima e este foi o último desmaio até então. Acredito que seja pena fraqueza e açúcar baixo. Em relação a amigos, familiares e parceiros, não citei muito porque foi algo comigo, mas todos foram e estão sendo maravilhosos comigo, cuidando de mim, principalmente o "Otávio" que inclusive já falou duas vezes sobre namoro, mas tem medo da minha mãe devido a forma que ela descobriu o nosso relacionamento e o tipo de relacionamento. Minha chefe e colega de trabalho não sabem que eu abortei e não sei como vou falar ou o que vou inventar para dizer que não estou mais grávida. Outra coisa que me deixou bem triste é que essa colega (que antes eu chamava de amiga) contou para um colega em comum que estuda comigo que eu estava grávida de "Otávio" e esse colega contou para toda minha classe, algumas pessoas vieram me perguntar sobre, mas eu desmentir, estou muito puta com ela. Minha mãe agora quer que eu tome anticoncepcional, e estou pensando em tomar ou pôr DIU. O apoio de minhas amigas foi muito importante e me ajudou demais. Ainda estou sangrando, mas estou bem, me alimentando e me sentindo aliviada. Sei que foi a melhor decisão.
Muitas foram as razões, dentre ela minha idade, apenas 18 anos, a aceitação de alguns familiares, o relacionamento com meu parceiro não ser um namoro assumido, além de não possuir condições financeiras suficientes para manter uma criança.
A ilegalidade de seu aborto afetou seus sentimentos?
Não, tenho uma opinião formado sobre o assunto, desde muito nova sempre pesquisei sobre, e entendia que toda mulher tem direito de decidir o que fazer e como fazer com o seu corpo, e o aborto está dentro deste meu conceito, pra mim não existe preconceito nenhum relacionado a prática deste ato, a legalização apenas ajudaria milhares de mulheres e diminuiria o número de mortes de mulheres que abortam de forma inadequada devido aos preceitos religiosos e preconceituosos de "tirar a vida" de uma "coisa" que ainda não tem vida.
Como as outras pessoas reagiram ao seu aborto?
Poucos pessoas souberam da realização do aborto, dentre elas: minha mãe, irmã e duas tias, quatro amigas mais próximas e de confiança e meu parceiro, todos eles me ajudaram e entenderam minha decisão.
Marilyn Ramos Morenita. !
Yo decido, yo hago lo que quiero con mi cuerpo y nadie tiene porque decirme…