Emily Mars
O pesadelo de uma gravidez indesejada.
2014 Brasil
Tenho 23 anos, sou casada há dois e muito apaixonada. Eu e meu marido sempre tivemos um relacionamento incrível de muita cumplicidade. Há três meses atrás fomos pegos de surpresa com a descoberta dessa gravidez indesejada. Acreditamos ser pessoas muito racionais, temos muito o que viver e tantas metas a alcançar, nunca tivemos ânsia por ter ou planejar filhos nem mesmo para o futuro. Nós vemos casais com filhos se descabelando e tendo que abdicar de quase toda a totalidade de seu tempo, diversão e tantas outras coisas para dar lugar a preocupações e obrigações chatas que nunca vimos sentido, nem nos imaginamos em tal situação. Pois bem, sou usuária do anticoncepcional Yasmin há um bom tempo, apesar de sempre me incomodar com os efeitos colaterais causados pelo horror de hormônio que todo o anticoncepcional tem, era garantia de proteção mais segura que meu ginecologista afirma ser menos agressivo. Só que numa fase turbulenta da minha vida, me atrapalhei com os horários que devem ser seguidos à risca e não estava tão protegida assim. Aconteceu o improvável. O atraso da menstruação seguinte me deixou afoita, ao desconfiar e receber o resultado do Beta HCG que me condenava a uma gestação indesejada de 7 semanas, meu chão desabou, entrei em desespero, só chorava e para piorar fui ficando cada vez mais física e emocionalmente destruída. Era o começo do meu martírio que duraria três meses. Não conseguia mais me alimentar pois o estômago não aceitava mais nada, sofria de enjoos horríveis e não conseguia fazer mais nada além de dormir e morrer de ansiedade enquanto buscávamos a melhor maneira de reparar este erro. Já haviam se passado mais duas semanas e nesse meio tempo eu já havia feito ultrassom na esperança de encontrar alguma possível fragilidade do embrião, mas para a minha infelicidade estava tudo perfeito e normal ao contrário de mim. Não houve dúvidas ao decidir pelo misoprostol. Meu marido foi incansável nas pesquisas mesmo diante de tanta impossibilidade de confiar em alguém, em meio a tantas histórias de golpes. Encontramos uma vendedora com a qual pudemos contar (Krika161), ela nos tranquilizou o tempo todo mostrando comprovantes de envio, código de rastreamento e fotos do produto sendo embalado com nosso nome e data. Recebemos os medicamentos pelo sedex quase uma semana depois da negociação e de fato eram verdadeiros. Tinha 10 comprimidos em mãos com 9 semanas. Ingeri tudo de forma sublingual conforme o indicado no aqui no women on web e em outros sites como o abortivo.org. Comecei por volta de 19:30, foram duas doses de 4 comprimidos a cada 3 horas, mais os dois comprimidos restantes por último, sempre deixando derreter debaixo da língua por meia hora. Passei maus bocados. Antes dos 4 primeiros comprimidos derreterem comecei a sentir as cólicas chatas de menstruação, muito frio e tremeliques, também tive febre. Após uma hora esses outros sintomas passam, predominam mesmo as contrações que vão aumentando afim de expelir o produto da gravidez e uma diarreia infeliz. Li nos outros depoimentos que para a maioria das mulheres essas dores eram semelhantes às de uma menstruação, mas eu não tive essa sorte. Senti dores bem fortes mesmo que foram aumentando. Foram dez horas que eu não gostaria de repetir, mas foi tranquilo visto que não precisei recorrer a nenhum hospital e tudo foi feito em casa acompanhada do meu marido. Por volta das 5:30 comecei a expelir coágulos enormes e espessos de sangue, sempre acompanhados de muito sangue vivo junto. Não consegui ver nem identificar tudo, mas ao todo percebi que foram uns 4 pedaços sangrentos do tamanho da palma da minha mão. As dores passaram e tive o restante do dia normal, achando que estava feito. Os enjoos diminuíram e a sensibilidade nos seios também, restando apenas sangramento leve, mas estava enganada. Devido a época terrível de final de ano quando tudo para de funcionar, tive uma dificuldade terrível para conseguir marcar ginecologista pelo plano de saúde. Uma semana depois resolvi fazer um ultrassom por conta própria só para desencargo de consciência e para a minha grande e infeliz surpresa o feto estava lá, aparentemente intacto com o coração batendo e se desenvolvendo. Fui informada que o sangramento que tinha era normal. Fui pra casa com as pernas bambas e desabei de tanto chorar pois já estava com demasiado ódio daquela situação, daquele feto que crescia dentro de mim sem permissão, feito um parasita, me causando grande desconforto e mal estar. Passou- se mais uma semana para negociação e envio de mais 12 comprimidos, eu novamente estava diante do pesadelo que é ter que usar misoprostol e a essa altura já tinha quase 12 semanas. Meu estômago mal tinha se recuperado da dose de duas semanas atrás e lá estava sendo envenenado novamente, mas não tinha jeito. Dessa vez ingeri dez sublingual e introduzi dois de forma intravaginal com um aplicador de comprimidos. No auge do meu desespero, tomei as doses de 1 em 1 hora para aproveitar bem o efeito do remédio. Nunca façam isso. Passaram 10 horas semelhantes às da vez passada, expelindo muitos coágulos, mas as dores foram aumentando de tal forma que não conseguia mais suportar, nem o ibuprofeno fazia efeito. Era uma dor tão horrível que me fez vomitar e ter que ser carregada ás pressas para o hospital, pois nem me aguentava de pé. Me contorcia de dor implorando por alguma anestesia que cessasse aquela dor demoníaca naquele instante, a cada espetada aguda do útero, eu suava frio, não dava para respirar ou pensar em algo que não fosse morrer, mas para as médicas e enfermeiras aquilo era normal e tudo ficaria bem comigo desde que eu esperasse o efeito da dipirona, do buscopan e do tramal que estavam sendo aplicados na veia. Só fui sentir algum alívio depois de 3 horas. Apesar disso fui bem atendida, examinada, me fizeram ultrassom assim que as dores melhoraram e em momento nenhum fui interrogada ou questionada sobre aquilo com desconfiança e mal jeito, para eles era normal. Reitero que é muito importante saber exatamente a qual hospital recorrer nessas horas pois são raros os que atendem esse tipo de emergência, você deve se informar ao máximo sobre os hospitais de emergência ginecológica e obstetrícia que poderão te prestar um possível atendimento pois na hora da dor você não vai suportar parar de hospital em hospital e ser informada que não pode ser atendida porque não tem ginecologista lá. Saiba exatamente pra onde recorrer e se possível não demore quando suspeitar que as dores estão ficando fortes demais para aguentar. Na primeira experiência com o remédio por sorte não precisei recorrer à emergência, mas assim que notei a dificuldade para marcar um ginecologista que me indicasse a ultrassom que eu precisava, passei por vários hospitais de emergência que não podiam atender o meu caso por não ter alas específicas pra isso. Na segunda vez, quando realmente precisei de atendimento de emergência já sabia onde ir. Quando me fizeram a ultrassom na emergência, fui informada que estava com 50% de deslocamento do saco gestacional com risco de aborto e que era melhor esperar pra saber se o corpo expeliria naturalmente ou se a gestação prosseguiria. Infelizmente por causa das leis hipócritas do nosso país, nem se a mulher numa situação dessas quiser interromper ali, afim de evitar mais sofrimento e dor, ela não pode, os médicos não podem fazer nada a não ser se prontificar que a qualquer momento você volte para atendimento, mas tudo o que eu menos queria era voltar naquelas condições novamente. Tive muito medo de sentir aquilo novamente. No caso, tiveram que me aplicar remédios que acalmavam as contrações do útero para que a dor cessasse, cortando assim os efeitos do Cytotec no auge. Receitaram buscopan para evitar contrações do útero, mas não tomei, sangrei o restante da semana e tive cólicas suportáveis, o corpo expelia de vez em quando uns coágulos, mas tudo muito lentamente, me deixando nervosa, ansiosa e angustiada. Novamente encomendei Cytotec, mais 4 comprimidos foram suficientes. Uma semana depois desse doloroso episódio, resolvi aplicar os 4 comprimidos de forma intravaginal, primeiro apliquei dois e depois de 3 horas, mais dois. Os sites costumam informar erroneamente que a melhor forma é a sublingual, eu entendo que seja medo de encontrarem restos do remédio no colo do útero caso a mulher recorra a algum hospital, mas isso é bem difícil de acontecer caso você parta os comprimidos e introduza, você vai sangrar e eles vão derreter lá dentro e depois cair junto com os primeiros coágulos e sangramentos como se fossem uma papa misturados ao sangue logo nas primeiras horas. Eles derretem com muita facilidade e os efeitos são mais eficientes dessa forma, sem falar que deixamos de prejudicar tanto o estômago assim, são efeitos colaterais a menos e isso sempre ajuda. Se talvez tivesse feito dessa forma de primeira, teria dado certo logo e não teria penado tanto, é dessa forma que é feita em hospitais quando existe aval da lei para aborto legal. Enfim, nessa terceira tentativa com o cytotec o útero já estava mais sensível e acreditei não sentir mais as dores da semana passada, até pela dose menor, mas passadas as exatas 10 horas, após ter expelido mais um monte de coágulos enormes, procurando resistir cada vez mais à dor que aumentava, comecei a sentir a pressão do útero muito forte e corremos novamente para a emergência, sofri e agonizei mesmo depois que me aplicaram os remédios para a dor, enquanto não expeli aquele saco gestacional enorme que já estava do tamanho de uma bola de tênis, eu mal podia respirar de tanta dor, a médica tirou o restante da placenta e mais coágulos com a mão e depois de feita nova ultrassom que indicou que eu tinha ainda restos e que o útero estava aberto, preferiram me fazer uma curetagem que seria simples pois era apenas para limpeza mesmo, evitando uma futura infecção. Fiquei super insegura pois li coisas horríveis sobre a curetagem mas me tranquilizaram muito e foi um procedimento tranquilo que durou apenas 15 minutos. Me deram uma anestesia onde eu apaguei durante o processo e acordei dentro de 20 minutos sem saber o que estava acontecendo e sendo informada de que acabou. Todo o inferno havia terminado, eu mal podia acreditar. Tive uma leve sonolência depois, mas tive alta no mesmo dia. Nunca vi um depoimento de mais alguém que precisasse recorrer ao Cytotec por tantas vezes assim e fiquei desesperada achando que meu útero devia ter algum problema para expelir e fiquei também impressionada com a quantidade de coágulos que pode ficar acumulado lá dentro, isso sempre me confundia e quanto mais saía, mais eu achava que era impossível caber tanta coisa assim. Enfim, contei meu pesadelo bem detalhado afim de me solidarizar com outras mulheres que passam pelo mesmo pois sei o quanto nos sentimos sozinhas numa hora dessas, sei que esses depoimentos quanto mais detalhados, mais ajudam e sou muito agradecida a quem escreveu por aqui. Fico muito triste pelas mulheres que acabam tendo que levar uma gravidez indesejada adiante por falta de grana, por falta de amparo. Sei o quanto nossa saúde pública é deficiente e as que dependem dela se sentem muito mais inseguras. Somos tratadas com tamanha injustiça e machismo, mas temos como companhia umas as outras, pois ninguém melhor para entender nossas dores do que quem passou pelo mesmo, ou quem pelo menos tem no caráter a delicadeza de se pôr no lugar do outro. Todo o meu apoio a vocês, meninas. Sejam fortes e nunca desistam do que vocês querem somente para agradar a falsos moralistas. A vida é só uma e cada um tem o direito de viver como escolher, ainda mais quando isso é um assunto que só diz respeito a si mesma. Ps: Recentemente o site (abortivo.org) colocou a (krika161) na lista de golpistas. Isso é uma tremenda mentira, pois sou prova de que nas três vezes em que precisei, ela prontamente me atendeu com honestidade, além de ser uma das poucas que não extrapolam no valor do remédio, sendo assim, desconfiei da credibilidade de tal site, pois coisas assim mais atrapalham do que ajudam a quem realmente precisa.
A ilegalidade de seu aborto afetou seus sentimentos?
Obviamente, pois nunca me senti tão alienada do meu próprio corpo, sendo obrigada a parar todos os meus projetos de vida por causa daquela gravidez indesejada que não me trazia mais paz. Meu estado físico e emocional durante esses três meses em que estive nessa condição nunca estiveram tão abalados. Isso não deveria ser uma decisão que diz respeito ao estado ou a pessoas que nunca passaram por esse terror e se acham no direito de decidir sobre o rumo da vida de outros. Carregar um ser indesejado é receita para a infelicidade eterna. É tanto amor à vida que para essas pessoas um embrião é mais importante que a vida de uma mulher que tem todos os direitos sobre seu corpo. Se importam tanto em inspecionar o útero dos outros, mas pouco interessa a qualidade de vida daquele ser indesejado caso venha a ser gerado como é da vontade deles, como se viver num abrigo desprovido de atenção e afeto fosse uma maravilha. Por essas e outras contradições hipócritas e ridículas que jamais daria o gostinho de me sentir culpada ou pressionada pelo que fiz. Desde o princípio eu sabia que era o certo a fazer e estou em paz. Óbvio que nunca mais na vida passarei por isso, nem que para isso eu faça algum procedimento para retirar meu útero voluntariamente, pois para mim esse órgão por essas e outras razões só serve pra trazer desgosto.
Como as outras pessoas reagiram ao seu aborto?
A única pessoa que soube foi meu marido. Ninguém mais precisou saber, pois não me importo com o julgamento de outros. Não preciso da aprovação de ninguém. Cada um sabe de si.