Baby
Nunca me senti tão sozinha!
2014 Brazil
Minha menstruação sempre foi um reloginho: 28 dias e lá vinha tudo outra vez! Por ter descoberto alguns nódulos nas mamas, parei de tomar o anti-concepcional e fazia tabelinha. Funcionou por mais de um ano até que, não sei por quê, deu errado. Comecei a sentir tontura,náuseas pela manhã, ao acordar, um sono terrível, seios doloridos e a suspeita de estar grávida me atormentava. Eu e meu namorado estávamos brigados e, quando eu mandei uma sms dizendo achar estar grávida, a resposta foi imediata: 'pois deve ter alguma coisa errada ai!'. Isso me fez sentir muito mal, porque apesar da brincadeirinha dele, depois eu soube, soou como se eu fosse uma vadia. Sou divorciada a cinco anos, tenho duas filhas adolescentes. Na época da separação, meu ex marido me enganou, roubando tudo que construímos juntos, me deixando quase na miséria total, com duas crianças para criar. Sem casa, sem dinheiro, fui morar com minha mãe, uma mulher depressiva e que vivia para puxar os outros pra baixo. Eu e minhas filhas sofremos muito até que começamos a nos reerguer quando uma oportunidade de subir na carreira surgiu. E justo nesse momento, apareceu a gravidez ! Eu me sentia ameaçada a perder novamente tudo, ter que parar com o trabalho, ter que ouvir minha mãe me denegrir, ter que criar mais uma criança sozinha...Então orei e pedi perdão a Deus, mas faria o aborto. Implorei que não me fizesse padecer por minha decisão e comecei a busca pelas informações necessárias. Eu sempre fui completamente contra o aborto! Acessava a internet de madrugada, quando as crianças dormiam, para pesquisar tranquilamente. Até que encontrei o Woman on Web. Vi a descrição de todo o processo e tentei adquirir o kit de aborto seguro, mas ao final das perguntas da consulta, vi que meu país não estava na lista para receber. Entrei em desespero. Falei com o namorado e pedi ajuda. Pedi dinheiro. Ele não tinha. Fui ao banco e peguei uma grana do limite do cheque especial pra pagar a consulta, eu não podia esperar o dia que meu plano de saúde tinha vaga. Ao chegar na clínica, minha medica ficou assustada com meu semblante e eu contei que estava grávida, mas não queria. Pedi informações sobre o que e como tomar, o que sentiria, como ia ser. Ela me informou tudo, alertou a não fazer sozinha e procurar um hospital para fazer curetagem depois. Saí de lá doida atrás dos comprimidos. Toda vez que falava o nome Misoprostrol, os farmaceuticos agiam como se eu fosse da polícia, pois mulheres procuram por Cytotec, e não pelo princípio ativo. Até que lembrei de uma amiga que trabalhava num hospital. Não contei de cara, mas perguntei se ainda trabalhava no hospital, e ela disse que nao, mas perguntou em que podia ajudar e eu contei. Pediu umas horas e disse que ia ver o que conseguia. Foi assim que por R$180,00 eu comprei os 06 comprimidos que minha médica orientou. No final de semana, chamei o namorado, que estava arrasado por eu ter decidido abortar, já que ele queria muito ter o filho ( e isso justificou o fato de não ter dado dinheiro pra consulta ou ter se prontificado a colaborar com nada financeiramente), marquei o horário e fomos passar o final de semana num motel. Fui alertada a ter cuidado, por conta das dores, a ir pra um lugar distante, pois certamente gritaria muito. Assim mesmo, preferi ficar perto de um hospital e fui pro tal motel. Tomei a medicação sete e meia da noite: tomei tres e introduzi tres comprimidos. Deitei e me cobri com 3 lençóis. Duas horas depois e nada. Três horas e meia depois, começava a sentir cólicas toleráveis. às onze e meia da noite, já mordia os lábios de dor, parecia que meu quadril ia se partir ao meio... uma dor desgraçada na parte de trás, como se meus ossos fossem se separar.... eu chamava pelo nome de Deus desesperadamente, porém baixo, sussurrando, com medo de ser descoberta. Minhas pernas tremiam de tanta dor... eu apertava as unhas contra as mãos com força, sentava na cama, andava, sentava no vaso, as pernas tremendo, empurrava a parede com força, chamava por Deus, levantava, deitava, me cobria, levantava novamente... foi uma tortura, até que implorando a ajuda de Deus, adormeci. Nem sei se adormeci ou se desmaiei. Só sei que acordei duas e vinte e três da madrugada, sem dor alguma. Tive medo de não ter dado certo e ainda coberta, passei os dedos pela vagina. Nada. Completamente seca! Pensei 'E agora?' Tive medo de não ter dado certo e ter que criar uma criança doente ou deficiente. Durante todo o processo, senti muita sede, tive diarréia, frio. Minha bexiga estava pesada. Tinha bebido 8 copinhos de água e uma garrafa inteira. Era hora de encarar o desafio. Levantei pra fazer xixi, meio chateada por não ter dado certo e temerosa em ter que passar por aquilo novamente. Quando sentei no vaso, uma coisa desceu de uma só vez, como um enorme coágulo. Um coágulo gigante. Fiquei aliviada. Tinha dado certo. Acordei meu namorado chamando por ele do banheiro. O sangue que saiu foi pouco. Me limpei e fui deitar de novo, mais aliviada e torcendo pra sair tudo. Alguns instantes depois nova pressao no pé da barriga e decidi levantar de novo. No vaso, mais uma queda de outro enorme e comprido coágulo. Foi assim umas três vezes. Depois, sempre sangrava pouco. Estou agora em casa, como se nada tivesse acontecido, tomando Água Inglesa escondido, pra ver se ajuda a limpar o útero. Não quero ter que ir ao hospital. Torço pra que não seja preciso fazer curetagem. Essa foi uma experiência terrível pra mim, mas sei que foi o melhor a ser feito. Eu não podia criar um outro filho agora. Talvez quando eu tiver minha própria casa, longe das humilhações, da dependência financeira da minha mãe, completamente bem resolvida comigo mesma, eu decida ter ou mesmo adotar um bebê. Espero que Deus me perdoe por isso, sei que Ele não vai anular tudo que eu sou por um único instante de desespero.
Did the illegality of your abortion affect your feelings?
Sim. O medo de precisar de cuidados hospitalares e ser descoberta me fez ter muito mais medo do que o que eu já estava sentindo por decidir abortar.
How did other people react to your abortion?
Contei para poucas pessoas. Só meu namorado, que na época estávamos até brigados, duas amigas e a pessoa que me arrumou a medicação.