Alice
Bom, há algumas semanas eu já vinha desconfiando de uma gravidez, embora não houvessem sintomas muito aparentes, só um inchaço rígido ao pé da barriga e mudança de alguns hábitos de sono. Já tenho um filho de nove anos, e desde o primeiro instante eu soube que não iria prosseguir com a gestação. Me sentia tranquila e consciente da decisão a ser tomada, e consegui agir rapidamente e de maneira racional.
Contar com o parceiro reprodutivo não era uma opção viável, uma vez que ele já havia se posicionado anteriormente contra o procedimento, decidi resolver tudo sozinha e evitar o desgaste.
Consegui os contatos tranquilamente, varias amigas já fizeram e agilizei o dinheiro falando a verdade para meu pai, que me apoiou bastante. Paguei 720,00 nos 06 comprimidos.
Cumpre esclarecer que fiz dois testes, um de farmácia, e outro de sangue, ambos positivos. Mas não foi viável fazer uma ultra, porque não tenho convênio e o dinheiro não ia dar, então eu estimava que estava com algo entre 09-12 semanas. Perigoso, eu sei. Não indico.
Estudei muito, li a cartilha da OMS, o protocolo do Ministério da Saúde, vídeos de uma médica feminista, conversei com uma amiga que fez aborto legal no Brasil e cheguei na conclusão que o uso correto seria o descrito na bula do misoprostol e demais documentos oficiais, apliquei APENAS intravaginal, 02 comprimidos de 06 em 06h. 04 foram suficientes.
Apliquei os primeiros as 19h. Daí deitei e assisti televisão, minha amiga que mora comigo estava em casa e sabia do procedimento. 00h vi que ela estava com sono e disse que ela poderia dormir, eu estava bem e só sentia algumas cólicas leves, tomei um ibuprofeno. 01h, apliquei a segunda dose. A partir das 03 da manhã, senti as piores dores que um ser humano pode sentir, juro. Foi assustador. Eu senti dores de nível 10 de 03 da manhã até as 06:40 quando não aguentei e acordei minha amiga, eu sentia que não ia aguentar.
Não conseguia sequer chorar, era uma pressão, uma cólica insuportável. Na hora não compreendi, mas eu estava em trabalho de parto. Meu primeiro filho foi cesárea, então não conhecia este processo.
O único momento de um pouco de paz era embaixo do chuveiro, aliviava bem. Minha barriga estava dura igual uma pedra e aumentou muito de tamanho, minha amiga me acalmava e esquentava compressas.
Era impossível descansar, eu ia da privada pra cama, andava, e nada de sangue.
Em um dado momento ela me deu 04 gotas de clonazepam, eu pedi, além de estar nervosa queria tentar descansar um pouco...
Acho que 20 minutos depois, eu simplesmente vomitei um líquido verde, e pulei da cama (eu já estava nua a esta altura, todas as roupas me incomodavam, arranquei tudo), fiquei de cócoras e senti um jato de água, falei pra minha amiga: “você viu? saiu uma água de mim!”, ela concordou, e depois de alguns instantes outro jato. Minha bolsa estourou. Levantei e fui para o vaso sanitário com as pernas erguidas, e senti uma sensação que tenho dificuldade de colocar em palavras, meu canal vaginal estava dilatado é algo muito grande estava passando por ele, ploft. Segunda vez, o canal novamente se dilatou e ploft.
Eu não quis olhar, eu tinha medo do que iria ver... minha amiga olhou e disse: “acabou! deu tudo certo!”.
Na hora a dor passou. Eu me senti aliviada!
Levantei e nos abraçamos, eu não conseguia acreditar que aquele suplício teve fim, e eu me senti muito mulher naquele momento. Muito forte mesmo. O aborto autoinduzido é uma experiência um tanto quanto empoderadora, eu senti que eu tinha poder e controle sobre meu corpo, não sei explicar bem.
O vaso entupiu... minha amiga cuidou disso é disse que saiu o saco gestacional e o feto.
Eu tomei um banho e me deitei. Estava exausta. Quando acordei, me senti vazia, tanto fisicamente quanto por dentro. Uma sensação de paz, mas ao mesmo tempo uma perda consciente. Nada como arrependimento, muito pelo contrário, essa foi uma das decisões mais maduras que já tomei na vida. Automaticamente, quando minha amiga acordou, perguntei a ela como era o feto, se ele era grande, se dava pra ver o sexo, não sei, eu queria saber mais... Eu me arrependi de não ter olhado. É uma sensação louca e não sei se eu soube me expressar.
Agora, 04 dias depois do procedimento, essa curiosidade tem passado, estou feliz que tudo acabou bem, que não tive complicações (vou fazer uma ultra essa semana, mas a princípio está tudo 10), eu só sinto muita falta de conversar sobre o assunto. Sobre as dores, sobre a decisão, sobre perder algo que sequer eu queria, mas que existiu, que eu gerei.
Acho que o aborto marca muito a gente, pra sempre. Não quero ter que passar por isso nunca mais, mas se fosse para voltar atrás, faria tudo igual, pena que não descobri a gestação antes, acho que seria mais rápido. Minha amiga disse que o feto tinha por volta de umas 10 semanas mesmo, o que me deixou mais tranquila, estava com medo de ser mais avançada.
Sou umbandista e pretendo fazer um pequeno ritual para a passagem deste ser que não veio, mas segundo minha fé, houve um propósito... creio que isso pode me fazer bem.
Muita luz e paz pra nós e gratidão para quem leu meu relato, abri meu coração...
Brazil
Dolorosa, mas eficiente.
Ter um filho é uma grande responsabilidade que não posso/quero assumir neste momento da minha vida, e se depender de mim não terei mais filhos.
Vajon az abortuszod törvénytelensége befolyásolta-e az érzéseidet?
Com certeza, o fato de ser feito na clandestinidade nos coloca em risco, nos deixa tensa e assustada. Eu não sabia se o remédio era de boa procedência, não poderia ir ao hospital em caso de complicação e não tive nenhum suporte psicológico. Creio que se fosse legalizado, seria muito mais confortável e digno.
Hogyan reagáltak mások az abortuszodra?
A maioria compreendeu e apoiou, nenhum juízo de valor foi feito abertamente por aqueles que sabiam, embora eu saiba que os mesmos existam.