Letícia
Terça, 08 de agosto de 2017, 8:00 h.
Foi esse dia que eu descobri que estava esperando um filho. Um filho. Desde que eu me entendo por gente, sempre tive vontade e sonho de ser mãe mas, não assim, não na faculdade, não aos vinte anos, não de surpresa. Sempre me imaginei planejando meu filho.
Sempre ouvi da minha mãe e das minhas tias como era ter um filho cedo, como era abrir mão de estudar para criar os filhos e esse não era com certeza o que eu desejava pra mim.
Assim que acordei fiz o teste de farmácia, minha menstruação estava atrasada só um dia mas, como sempre fui meio paranoica, já logo comprei o teste, e ai veio o pânico, o medo, o susto. Os dois tracinhos. Fiquei desesperada, liguei pro pai da criança, ele não podia falar, mas só pelo pânico da minha voz ele já sabia. No horário do almoço, nos encontramos no estacionamento da faculdade. Nós não estávamos acreditando. Eu não conseguia parar de chorar.
Nós estávamos "juntos" a quase dois anos, mas nunca namoramos, nunca conhecemos família nem nos assumimos publicamente. Nossos amigos sabiam mas ficava por isso mesmo. Brigávamos muito, tínhamos ideias e percepções das coisas muito diferentes, mas ele sempre foi meu chão e apoio em todos os momentos difíceis e naquele momento, eu agradeci por estar com ele nessa. Primeira coisa em que pensamos foi em nossas mães, elas iriam nos matar. Pensamos em nossos projetos e sonhos, em nosso futuro. Tudo passava na nossa cabeça muito rápido. Logo de cara ele disse que ia largar a faculdade e arrumar um emprego, era tudo que eu menos queria. Já tinha feito mais da metade do curso de Agronomia, sempre foi o sonho dele e ele falava do curso com brilho nos olhos, e quando disse que ia largar meu coração apertou. Eu também teria que largar, ao menos por um tempo. E ai veio a pergunta: como íamos dar um futuro para nosso filho com os dois sem formar? Como íamos dar o padrão de vida que nos dois tínhamos sem ao menos ter um diploma?
Resolvemos nos acalmar e fomos a uma clinica fazer exame de sangue, ainda tínhamos aquela esperança de acontecer igual acontece na internet, sabe? vai que o teste de farmácia estava errado. Vai que nos desesperamos atoa.
Fizemos o teste e ele apenas ia ficar pronto no dia seguinte. E foram as horas mais longas e tensas que já passamos. Óbvio que eu estava gravida. Fiquei sentada na praça do centro histórico da faculdade por horas e a fixa não caiu. As vezes acho que até a gora não caiu, que tudo não passou de um pesadelo.
Começamos a pensar em todas as possibilidades; ter, tirar, adoção. Adoção de cara entrou fora de questão, se eu fosse seguir com a gravidez até o fim, o filho seria meu. Não ia dar pra ninguém criar meu filho, não o abandoaria nesse mundo de tanta crueldade.
Ter era aquele dilema: não queríamos deixar ninguém sustentar nosso filho e a unica saída era abandonar a faculdade.
Passamos a brigar muito, eu estava um poço de sentimentos, não conseguia parar de chorar, ele queria agir racionalmente. Brigamos muito, muito, muito. E foi ai que resolvi contar para 3 amigas de infância. Encontrei com elas na quinta-feira a noite e contei, elas paralisaram. Uma chorou, nunca vou me esquecer. Nunca vou me esquecer de tudo que elas fizeram por mim. Elas simplesmente falaram "é uma escolha sua, não podemos interferir nem te influenciar, mas se você quiser ter, nós vamos ser as melhores tias desse mundo, vamos amar mais que qualquer coisa e se você quiser tirar, nós vamos segurar sua mão em cada momento de dor e vamos estar do seu lado. Estamos juntas pro que der e vier."
Eu e 'A' (pai da criança) conversamos e decidimos que precisávamos parar de brigar e nos unir, ficar juntos para o que acontecer. Ele também disse que era uma escolha minha, pois estava comigo, estava no meu corpo e ele não poderia me forçar a tirar nem a ter.
Tanta coisa nas minhas costas, eu não sabia o que fazer, estava completamente perdida. Não conseguia olhar nos olhos da minha mãe. Não conseguia dormir. Aquilo não saia da minha cabeça. pensava nisso 24 horas por dia. Conversava muito com 'A', ele também estava assustado. Eu acordava querendo ter, me sentindo incapaz de tirar uma vida e ia dormir com a certeza de que iria abortar.
Os dias foram passando, e eu precisava decidir antes que seria tarde demais. Minhas amigas mandavam o tempo todo matérias, estudos, tudo que dizia sobre aborto. Os pontos positivos e negativos, lia relatos aqui na pagina, e os relatos variam do ótimo ao péssimo. Por fim, decidi, eu iria tirar, e essa foi a decisão mais difícil que já tomei em toda minha vida.
Conseguimos um contato de um cara que vendia o remédio, 'A' me deu o dinheiro, compramos e na sexta feira, 18 de agosto, o remédio chegou. Resolvi não adiar aquele momento, aproveitamos que ia acontecer um show aquela noite e a republica do 'A' estaria vazia. Fui para lá, nos preparamos e tomei o remédio. Tive as piores sensações de todas Muito calafrio, eu tremia inteira. Era um calor por fora e um frio por dentro. Uma coisa de outro mundo. Sentia muita cólica mas acabei dormindo e acordando apenas nos horários que precisava tomar o remédio. Era 4 sublinguais a cada 3 horas. Tomei 2x. Tinha todo aquele medo do remédio ser falso. De não da certo. De ter que ir no hospital.De acontecer alguma coisa comigo.
Quando era 5 hrs da manhã eu levantei e fui ao banheiro. Era muito sangue. MUITO. Eu lembro da imagem, da sensação como se tivesse acontecido agora a pouco. Eu lembro de sentir uma coisa descendo, passando por todo meu canal. e caindo. Esse foi sem duvida o momento mais triste que já vivi. O momento de maior dor, e não digo apenas da dor física.
Tomei um banho e nem sei se fiquei por muito tempo ou não, me sentia suja. Me odiava. Esfregava meu corpo querendo me limpar e nada era capaz de limpar aquilo. Sai do banho, abracei 'A' e desabei em um choro doido, sentindo e angustiado. Ele me abraçava forte e chorava. Dizia a todo momento que ele estava comigo, que eu não estava sozinha. Sem a força, carinho e amor dele, com certeza todos esses momentos seriam insuportáveis de aguentar.
Enfim, abortei meu filho. E hoje, um pouco mais de um ano, eu sinto em mim uma mistura de culpa e alívio. Não consigo ver uma criança na rua e não imaginar como seria meu filho. Sinto um imenso alívio, não estava preparada, não me sinto madura pra ser mãe ainda, continuamos nossos cursos mas, ao mesmo tempo, sinto uma culpa que é maior que eu, culpa por ter sido fraca, culpa por não ter lutado por ele. Me pego varios momentos arrependida por ter abortada outros culpada por tanto alívio.Eu tive que procurar ajuda profissional. Minhas amigas não sabiam mais o que fazer comigo. 'A' não soube lidar com isso tudo, hoje, não temos mais uma relação íntima, mas sempre conversamos e sempre que preciso dele ele está pronto para me ajudar, seja pra me ouvir ou para me curar de um porre. Ele fez tudo que podia e ainda faz, sem ele com certeza as coisas teriam sido pior. Ele foi essencial. Mas hoje faço terapia, meditação, frequento o centro espirita com mais frequencia a fim de procurar paz pro meu coração, que é tão agunsitado desde então. Eu com certeza nunca mais fui a mesma.
E meu conselho para quem está nessa situação de não saber o que fazer, eu te entendo. Pense bem, se decidir abortar, esteja do lado de pessoas que te querem bem, você nunca vai estar sozinha e , caso resolva ter, tenho certeza que terá muitos momentos felizes depois, os que eu tanto imagino que poderia ter e não tenho. Pense sempre, nunca haja por impulso.
Eu depois disso tudo abracei a causa pela legalização pois, essa foi minha escolha do momento, apesar de hoje sofrer tantas consequências, eu fiz o que eu quis. Eu tive a oportunidade, o conhecimento e o dinheiro, acima de tudo, para realizar um aborto onde não me deixaram sequelas físicas, e hoje eu percebo a dificuldade que as pessoas sem acesso enfrentam.
2017 Bahamas
Bem tranquila! Não tive problemas.
Het die onwettigheid van u aborsie u gevoelens beïnvloed?
Com certeza! O fato de estar praticando um ato ilicito, fazendo faculdade de direito, onde a gente estuda a justiça e luta pelo 'certo'. Onde estudamos o que é certo e errado, não perante a sociedade, e sim à Constituição.
Hoe het ander mense op u aborsie gereageer?
As que sabem, sempre me apoiaram e estiveram do meu lado.